quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Jornal Opção

Nasce um bom escritor
por Euler de França Belém

A pequena editora goiana Cânone Editorial pôs nas livrarias um romance que, lido com atenção, certamente ganhará pelo menos algum destaque. "Duas Mulheres, Quatro Amores e uma Guerra Civil" parece título de dissertação de mestrado, mas é, na verdade, um belo romance, muito bem-escrito. Seu autor, Jailton Batista, baiano radicado em Goiás, nem parece autor de primeira viagem. No prefácio — uma crítica pertinente, positiva, mas não laudatória —, Vera Tietzmann diz que se trata de "um romance promissor".
Em livros de jornalista, nos de prosa, há um vício freqüente: se falha a imaginação, o escritor, reaparecem a pesquisa e o repórter. Tal não ocorre neste belo livro, no qual o repórter que sobrevive em Jailton, presente no rigor, na precisão e na clareza da exposição, está subordinado ao escritor. Trata-se de um romance que bebe em histórias reais, na Angola da guerra civil, mas que sobrevive como ficção. A grande literatura é assim: bebe no real, mas, no lugar de tentar reproduzi-lo fielmente, serve muito mais para iluminá-lo. Em "Guerra e Paz", Tolstói mostra que, durante a guerra, a vida, com seus amores e desamores, continua. A guerra não pára a vida, a paz. Ao seu modo, Jailton iguala-se ao autor russo (não estou comparando suas literaturas): mesmo sob uma guerra cruenta, a vida segue adiante, amputando mas também criando esperanças.

Jornal Opção
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Crítica - Revista Bula

por Euler de França Belém

A guer­ra é o dos ho­mens
Lei­to­res que­rem sa­ber on­de en­con­trar o ro­man­ce “Du­as Mu­lhe­res, Qua­tro Amo­res e uma Guer­ra Ci­vil” (Câ­no­ne Edi­to­ri­al, 273 pá­gi­nas), de Jail­ton Ba­tis­ta. Em Go­i­â­nia, vi na Li­vra­ria Sa­rai­va, no shop­ping Flam­boyant.
O ro­man­ce con­ta his­tó­ri­as da guer­ra ci­vil em An­go­la, pa­ís afri­ca­no que fa­la por­tu­guês, e so­bre­tu­do his­tó­ri­as de in­di­ví­duos, co­mo as bo­ni­tas Es­pe­ran­ça e Fa­tu, que ti­ve­ram su­as vi­das de­vas­ta­das pe­lo con­fli­to que pôs ir­mãos con­tra ir­mãos.
Co­mo em Henry Ja­mes, as per­so­na­gens fe­mi­ni­nas são mais bem-cons­tru­í­das do que as mas­cu­li­nas. Pa­re­ce que é in­ten­ci­o­nal, pois o au­tor faz ques­tão de cri­ar mo­de­los ca­ri­ca­tos co­mo o ge­ne­ral que po­de e vê tu­do, mas não tem no­me. A guer­ra é um “ins­tru­men­to” mui­to mais do mun­do mas­cu­li­no do que do mun­do fe­mi­ni­no. A guer­ra é fá­li­ca, por as­sim di­zer. Representa poder, potência. A impotência fica por conta dos seres frágeis, como mulheres, crianças e mesmo alguns homens.
No ro­man­ce, nem to­dos os ho­mens são cru­éis, nem mes­mo o ca­pi­tão Kas­sin­da, que ati­rou em An­tó­nio Sa­po­lo, o Sa­pó, e de­pois cas­ou-se com sua mu­lher, Fa­tu (a his­tó­ria é sur­pre­en­den­te e não con­vém re­ve­lá-la). As mu­lhe­res são mais ge­ne­ro­sas, mas há aque­las que fa­zem in­tri­gas. Sobre as razões da guerra, o narrador faz uma síntese política o mais imparcial possível (página 142): “São irmãos que lutam em posições tão opostas por causas ideologicamente tão distintas, como a implantação do marxismo materialista numa sociedade marcada por profundas raízes tribais e fortes diferenças étnicas, ou a instalação do capitalismo refinado numa nação que ainda pratica o escambo. Reis, sobas e feiticeiros conduzem o destino de muita gente, e a posse da terra se faz de acordo com a necessidade dos pastores”.
A im­pres­são que te­nho é que o li­vro vai fa­zer mais su­ces­so em Por­tu­gal e Áfri­ca de Lín­gua Por­tu­gue­sa do que no Bra­sil. Ra­zão: An­go­la de­ve­ria di­zer mui­to aos bra­si­lei­ros, mas, em ter­mos de in­for­ma­ção, diz pou­co, qua­se na­da.
Detalhe: o livro de Jailton Batista é um romance, mas contém informações sobre a guerra entre o grupo marxista de Agostinho Neto e a, por exemplo, Unita de Jonas Savimbi. Não substitui uma obra histórica, e não é sua pretensão, especialmente porque atribui uma força vital ao indivíduo, mas é esclarecedor, mesmo quando sutil e irônico (diria que é mais compreensivo do que irônico, apesar do humor), a respeito das motivações da guerra.