Nasce um bom escritor
por Euler de França Belém
A pequena editora goiana Cânone Editorial pôs nas livrarias um romance que, lido com atenção, certamente ganhará pelo menos algum destaque. "Duas Mulheres, Quatro Amores e uma Guerra Civil" parece título de dissertação de mestrado, mas é, na verdade, um belo romance, muito bem-escrito. Seu autor, Jailton Batista, baiano radicado em Goiás, nem parece autor de primeira viagem. No prefácio — uma crítica pertinente, positiva, mas não laudatória —, Vera Tietzmann diz que se trata de "um romance promissor".
Em livros de jornalista, nos de prosa, há um vício freqüente: se falha a imaginação, o escritor, reaparecem a pesquisa e o repórter. Tal não ocorre neste belo livro, no qual o repórter que sobrevive em Jailton, presente no rigor, na precisão e na clareza da exposição, está subordinado ao escritor. Trata-se de um romance que bebe em histórias reais, na Angola da guerra civil, mas que sobrevive como ficção. A grande literatura é assim: bebe no real, mas, no lugar de tentar reproduzi-lo fielmente, serve muito mais para iluminá-lo. Em "Guerra e Paz", Tolstói mostra que, durante a guerra, a vida, com seus amores e desamores, continua. A guerra não pára a vida, a paz. Ao seu modo, Jailton iguala-se ao autor russo (não estou comparando suas literaturas): mesmo sob uma guerra cruenta, a vida segue adiante, amputando mas também criando esperanças.
Jornal Opção
http://www.jornalopcao.com.br/
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Crítica - Revista Bula
por Euler de França Belém
A guerra é o dos homens
Leitores querem saber onde encontrar o romance “Duas Mulheres, Quatro Amores e uma Guerra Civil” (Cânone Editorial, 273 páginas), de Jailton Batista. Em Goiânia, vi na Livraria Saraiva, no shopping Flamboyant.
O romance conta histórias da guerra civil em Angola, país africano que fala português, e sobretudo histórias de indivíduos, como as bonitas Esperança e Fatu, que tiveram suas vidas devastadas pelo conflito que pôs irmãos contra irmãos.
Como em Henry James, as personagens femininas são mais bem-construídas do que as masculinas. Parece que é intencional, pois o autor faz questão de criar modelos caricatos como o general que pode e vê tudo, mas não tem nome. A guerra é um “instrumento” muito mais do mundo masculino do que do mundo feminino. A guerra é fálica, por assim dizer. Representa poder, potência. A impotência fica por conta dos seres frágeis, como mulheres, crianças e mesmo alguns homens.
No romance, nem todos os homens são cruéis, nem mesmo o capitão Kassinda, que atirou em António Sapolo, o Sapó, e depois casou-se com sua mulher, Fatu (a história é surpreendente e não convém revelá-la). As mulheres são mais generosas, mas há aquelas que fazem intrigas. Sobre as razões da guerra, o narrador faz uma síntese política o mais imparcial possível (página 142): “São irmãos que lutam em posições tão opostas por causas ideologicamente tão distintas, como a implantação do marxismo materialista numa sociedade marcada por profundas raízes tribais e fortes diferenças étnicas, ou a instalação do capitalismo refinado numa nação que ainda pratica o escambo. Reis, sobas e feiticeiros conduzem o destino de muita gente, e a posse da terra se faz de acordo com a necessidade dos pastores”.
A impressão que tenho é que o livro vai fazer mais sucesso em Portugal e África de Língua Portuguesa do que no Brasil. Razão: Angola deveria dizer muito aos brasileiros, mas, em termos de informação, diz pouco, quase nada.
Detalhe: o livro de Jailton Batista é um romance, mas contém informações sobre a guerra entre o grupo marxista de Agostinho Neto e a, por exemplo, Unita de Jonas Savimbi. Não substitui uma obra histórica, e não é sua pretensão, especialmente porque atribui uma força vital ao indivíduo, mas é esclarecedor, mesmo quando sutil e irônico (diria que é mais compreensivo do que irônico, apesar do humor), a respeito das motivações da guerra.
A guerra é o dos homens
Leitores querem saber onde encontrar o romance “Duas Mulheres, Quatro Amores e uma Guerra Civil” (Cânone Editorial, 273 páginas), de Jailton Batista. Em Goiânia, vi na Livraria Saraiva, no shopping Flamboyant.
O romance conta histórias da guerra civil em Angola, país africano que fala português, e sobretudo histórias de indivíduos, como as bonitas Esperança e Fatu, que tiveram suas vidas devastadas pelo conflito que pôs irmãos contra irmãos.
Como em Henry James, as personagens femininas são mais bem-construídas do que as masculinas. Parece que é intencional, pois o autor faz questão de criar modelos caricatos como o general que pode e vê tudo, mas não tem nome. A guerra é um “instrumento” muito mais do mundo masculino do que do mundo feminino. A guerra é fálica, por assim dizer. Representa poder, potência. A impotência fica por conta dos seres frágeis, como mulheres, crianças e mesmo alguns homens.
No romance, nem todos os homens são cruéis, nem mesmo o capitão Kassinda, que atirou em António Sapolo, o Sapó, e depois casou-se com sua mulher, Fatu (a história é surpreendente e não convém revelá-la). As mulheres são mais generosas, mas há aquelas que fazem intrigas. Sobre as razões da guerra, o narrador faz uma síntese política o mais imparcial possível (página 142): “São irmãos que lutam em posições tão opostas por causas ideologicamente tão distintas, como a implantação do marxismo materialista numa sociedade marcada por profundas raízes tribais e fortes diferenças étnicas, ou a instalação do capitalismo refinado numa nação que ainda pratica o escambo. Reis, sobas e feiticeiros conduzem o destino de muita gente, e a posse da terra se faz de acordo com a necessidade dos pastores”.
A impressão que tenho é que o livro vai fazer mais sucesso em Portugal e África de Língua Portuguesa do que no Brasil. Razão: Angola deveria dizer muito aos brasileiros, mas, em termos de informação, diz pouco, quase nada.
Detalhe: o livro de Jailton Batista é um romance, mas contém informações sobre a guerra entre o grupo marxista de Agostinho Neto e a, por exemplo, Unita de Jonas Savimbi. Não substitui uma obra histórica, e não é sua pretensão, especialmente porque atribui uma força vital ao indivíduo, mas é esclarecedor, mesmo quando sutil e irônico (diria que é mais compreensivo do que irônico, apesar do humor), a respeito das motivações da guerra.
Assinar:
Postagens (Atom)